Não sei dizer se a vida está um pouco mais caótica no momento ou se eu desaprendi em alguma medida a me organizar. Graças a terapia, está mais fácil aceitar que nem sempre será possível dar tudo de mim.
Uma amiga me falou esses dias que eu estava fazendo muita coisa, aí me toquei que realmente eu estou. Comecei um curso intenso de programação (longa história), sigo tentando me dedicar ao espanhol; além disso, tem o trabalho, as redes sociais e, minha verdadeira paixão, escrever quando consigo.
No meio disso tudo, acabei sem tempo para a newsletter deste mês. Então, aqui está um conto antigo meu, reeditado para vocês. Ele de certa forma foi um ensaio para Meu Amor Viajante e Meu Amor Sempre, tem uma temática parecida. Espero que gostem.

Dia de Chuva
Era somente mais um dia de chuva como outro qualquer, exceto pelo fato de estar tão quente que as gotas evaporavam assim que batiam no asfalto. Sendo assim, Vanessa estava tanto molhada quanto suada. Esse era um daqueles momentos no qual ela se xingava mentalmente por ser uma criatura de vontades teimosas. Está calor, não vai chover. Que erro!
Seu vestido florido estava encharcado, o cabelo grudado nas costas. A bolsa, que não tinha um guarda-chuva dentro, pesou ainda mais com a água que se infiltrava nela. Vanessa suspirou, puxando-a ombro acima.
Aquele era o terceiro ônibus que passava direto por ela, sem parar e lotado. Um absurdo, ela ouvia as pessoas reclamarem no ponto. Não pode cair uma lágrima do céu, que a cidade inteira para. O engarrafamento na direção de sua casa parecia infinito. Vanessa se encolheu mais no pouco abrigo que a estrutura precária do ponto de ônibus oferecia.
Ela estava cansada demais para pensar em palavrões. Vanessa só queria um bom banho quente, depois um chá e um belo livro. Algum descanso nessa vida de proletário, era pedir demais? Uma luz esperançosa surgiu a distância. Talvez o quarto ônibus fosse o da sorte, se ele conseguisse chegar até ela. Entretanto, o sinal piscava verde, amarelo, vermelho, mas os carros não andavam. Vanessa passou os dedos melados na testa, afugentando uma gota que escorria. Justo no dia em que ela tinha saído cedo o trabalho.
Por trás das nuvens pesadas, o fim da tarde beijava preguiçoso o dia. Os carros acendiam aos poucos suas luzes, assim como a cidade. Vanessa desistiu de ir para casa, ia esperar. Contudo, onde? Ela não poderia fugir para nenhum dos barzinhos próximos. Era tudo meio na rua, afogado na chuva. Inquieta, ela andou sem rumo.
Um abrigo, meu reino por um abrigo. A corrente de água aumentou. Vanessa precisou correr, entrou no primeiro vislumbre amigável que teve. O vendedor da livraria a olhou de cara feia, por inundar o lugar daquele jeito. Vanessa sorriu sem graça, ela pescou um prendedor de dentro da bolsa e puxou seus cabelos para longe dos frágeis livros. A moça queria se sacudir igual a um cachorro saído do banho, porém se conteve. Ela se afastou da carranca do vendedor. Então, sem poder afundar nos livros, ela caminhou até a cafeteria.
O ar-condicionado gelou a sua pele. Vanessa esfregou os braços, rezando para que a mudança brusca de temperatura não a deixasse doente. Seus passos incertos a levaram até perto do balcão, na esperança de conseguir um chá de mel e limão. Ela logo percebeu que a atendente estava mais interessada no celular do que no trabalho. Não que a moça a culpasse, o movimento estava fraco mesmo. Além disso, só os deuses sabiam o que elas teriam que enfrentar lá fora no momento de voltar para casa. Vanessa voltou a ler o cardápio na busca de seu querido chá.
“Me deixe adivinhar: mel e limão?”
A melodia familiar a pegou de surpresa. Os olhos espantados reencontraram os olhos cheios de estrelas. Caique sorriu por baixo da barba nova. O cabelo dele também estava molhado, porém menos que o de Vanessa. A sua camisa azul dava sinais de que começava a secar. Antes que ela respondesse, ele deu um leve toque no balcão. A atendente, antes entediada, abriu um sorriso e indagou:
“Em que posso ajudar?”
Caique, como sempre, nem percebeu o flerte que se derretia por ele.
“Um chá de mel e limão, por favor. Também quero um café, do mais forte.”
“É pra já!”
Caique se virou de novo para Vanessa. Sem pensar, ele nunca pensa, o rapaz pegou na mão dela. Vanessa só conseguia imaginar que ela mesma estava uma bagunça, um desastre. Tantos dias para esbarrar com ele, tinha que ser justo naquele. Ainda atônita, ela se deixou ser guiada até uma das mesas mais perto. Já faz o quê? Um ano? Ela nem sabia que ele havia voltado de Toronto, aquele reino gelado.
“Que sorte!”
“Sorte?” Vanessa piscou devagar.
“É, eu estava pensando em você. Engraçado, né?”
“Quando você voltou?”
“Cheguei anteontem. Não contei para muita gente, sabe. Só estou de visita.”
“Ah…”
“Eu… Sabe, eu…”
“Então, como é o Canadá?”
Caique coçou a nuca, olhou para baixo. Vanessa esperou. Às vezes, ela sente que está sempre a espera dele.
“Frio.”
“Tem fama.”
“Pois é.”
Vanessa fingiu não perceber, então ergueu uma sobrancelha para o pedaço de bolo que veio na bandeja.
“Nós não pedimos bolo.” Caique comentou.
“É por conta da casa.” A atendente piscou para ele ao pousar o café e o chá na mesa. Ela lançou um olhar emburrado para Vanessa por meio segundo e foi embora.
Caique franziu o cenho, empurrou o bolo para Vanessa. No guardanapo junto do bolo tinha um número de celular. A moça se perguntou se ele havia visto este detalhe, mas supôs que não. Caique era muito distraído e nunca teve muito gosto para coisas doces demais. Vanessa pegou o garfo, saboreou o chocolate macio.
“Sabe, Vanessa, eu…”
“Como está o trabalho? É mesmo tudo o que você sonhava?”
“Nada é perfeito, mas gosto bastante. E o seu?”
“Também, fui promovida.”
“Sério?”
“É, sim.”
Vanessa bebericou seu chá. Ela evitava olhar para ele, assim parecia mais fácil evitar a correnteza de memórias. Caique suspirou, pegou o garfo dela e roubou um pedaço do bolo. O silêncio caiu igual à chuva do lado de fora. Quietos, eles dividiram o doce até nada sobrar. Vanessa começou a procurar a carteira para pagar a conta e fugir dele, de tudo que era ele.
“Deixe que eu pago” Caique interveio.
“E desde quando eu deixo você pagar as coisas sozinho?”
“Talvez este fosse um dos problemas.”
“Caique, o que você quer dizer com isso?”
“Nada, esquece.”
Vanessa engoliu a tempestade dentro dela. Não havia sido ela quem fora embora. Ela balançou de leve a cabeça, chamou a atendente com um gesto da mão. Ignorada, ela se virou de novo para Caique. Olhou dele, para a atendente. Com um suspiro, ele imitou o gesto de Vanessa e foi logo respondido. Caique insistiu, pagou a conta sozinho, para desagrado da moça. Apressada, ela se levantou.
Vanessa puxou a bolsa sobre o ombro. No meio do caminho, não pôde resistir e deu uma espiada atrás de si. A atendente sorria para Caique, que continuava olhando para Vanessa. Ela acenou um breve adeus, então seguiu adiante. Com um suspiro, ela mergulhou de novo na chuva da rua.
“Vanessa!”
Caique mergulhou atrás dela, pegou sua mão. Ele nunca pensa, só faz. Já ela tinha que enfrentar um milhão de pensamentos.
“Por quê?” ele perguntou com olhos sedentos nos dela. “Por que você nunca me pediu para ficar?”
“Eu…” As palavras de Vanessa sumiram na tempestade de sentimentos.
“Só me diz isso.” Caique insistiu, suplicou.
“Achei que você ia ficar se quisesse.”
“Por que não me pediu?”
“Não queria que você ficasse ressentido.” Ela encolheu os ombros, hesitante. “E você? Nunca me pediu para ir.”
“Achei que você não queria.”
“Era complicado para mim.”
“Eu sei.”
Caique coçou a nuca, olhou perdido para ela. Vanessa passou a mão no rosto, sem saber se tentava afastar uma lágrima ou a chuva insistente. Ele a puxou para um abraço, que rasgou toda a sua teimosia. Sem pensar, Vanessa o beijou. Assim, eles navegaram um no outro até naufragarem.
Por hoje é só
De novo, não consegui gravar a versão em áudio da news, mas espero conseguir em algum momento. Uma hora a vida se acalma, acho eu 😅
Até a próxima!