Um dos meus contos de fadas favoritos é o Barba Azul. Um brevíssimo resumo para quem não conhece: um nobre se casa diversas vezes e ninguém sabe que fim suas esposas levam. A mais nova mulher a entrar em seu castelo recebe as chaves para as diversas portas do lugar. Ela tem permissão para usar todas menos uma, aquela leva ao calabouço, onde ela descobre os corpos das suas antecessoras. Há algumas variações além da escrita por Charles Perrault, mas a esposa curiosa costuma escapar da morte no final. Seja com ajuda da família ou quando ela mesma consegue matar o marido.
Estou lendo agora Os Melhores Contos de Fadas Sombrios, uma coletânea da Editora Wish. Por isso, lembrei de um conto meu, inspirado em Barba Azul. É a minha versão de como ele conheceu a sua primeira vítima e o que a leva para seu desfecho tão cruel.

A Primeira Esposa
Era uma vez uma menina tão formosa, de pele alva e cabelos vermelho-fogo, que todos de seu vilarejo a amavam. Assim, ela cresceu muito protegida. As pessoas sempre faziam o que ela queria, para desgosto de suas irmãs mais velhas. Seu pai era o pior, pois sempre a mimava com os melhores vestidos, joias e perfumes. À medida que a menina crescia, sua beleza se expandia, tal qual a inveja de suas irmãs.
A moça ruiva logo chamou a atenção dos rapazes, tanto que nenhum deles olhava para mais ninguém. Por onde os formosos cachos passavam, amores profundos despertavam. As suas irmãs suspiravam com as cartas e flores, sem nunca nada ganhar. Assim elas se juntaram para casar de uma vez a moça, para tirá-la do caminho. Entretanto, o pai nem as ouvia. A caçula, sua querida, deveria ser a última a partir. A formosa moça também não parecia amar ninguém, para aborrecimento de suas irmãs.
Em sua raiva, as invejosas se juntaram. Cada uma deu sua melhor joia como pagamento para a bruxa que morava na floresta. A bruxa riu delas, disse que joias os tolos compravam. Ela ansiava por algo diferente. As irmãs quebraram a cabeça, enquanto a moça geniosa fazia o que bem entendia, dispensando todos seus pretendentes.
Então, em uma noite de lua sombria, a mais velha de todas teve uma ideia. Roubou um cacho da caçula adormecida. Para dentro da floresta, as irmãs voltaram, deram gotas de seu sangue e a mecha avermelhada.
A bruxa aceitou o pagamento, disse que em três dias o homem viria. Contudo, antes, ela deu um aviso: “O homem que aparecer, as três vão desejar. Mas é melhor longe dele ficar, pois do sangue ele virá.”
As irmãs a escutaram com a indiferença do inverno; ansiosas, elas partiram. Contaram as horas nos dedos, a espera pela passagem dos dias prometidos. No terceiro sem falha, um jovem marquês e seus criados pararam pela vila para descansar. Um herói de guerra, sussurraram pelo vilarejo. Homem viril, muito rico, com belas vestes e uma espessa barba azul.
A curiosidade da formosa ruiva despertou em suas entranhas. As irmãs tiveram mais inveja ainda ao se encontrarem com o marquês. Ele bebia e sorria, porém seu olhar apenas se dirigia para os cachos vermelhos da moça. No amanhecer do dia seguinte, a sua porta ele batia, pois com ela o jovem decidira se casar.
O pai ficou desesperado, ofereceu as outras filhas de bom grado. As irmãs choramingaram, rejeitadas. O homem de barba exótica fez mil juras de amor, banhou a caçula em joias. A moça formosa sempre tinha o que queria. Agora, ela desejava com seu mais profundo ardor aquele homem de barba azul, tão escura quanto o céu noturno. Seu pai, derrotado, após três dias teve que ceder a filha.
As irmãs, mordidas de inveja, voltaram para a bruxa na floresta. Ela, mais uma vez, só riu delas. O pedido havia sido atendido. Se elas desejavam mais, deveriam pagar mais. Assim a inveja as consumia. Passaram o resto de suas vidas sem acertar o novo preço da bruxa, que se divertia às suas custas.
Ao pai, restava chorar. Diferente de suas tolas filhas, ele sabia o que homens faziam em guerras. A formosa moça era tão boba. A sua formosura de nada sabia, não entendia que seu belo cabelo lembrava ao seu marido de seus tempos de glória em batalhas perdidas. Para ele, nenhuma beleza superava o vermelho do sangue.
A moça nem imaginava que o seu futuro lar, o castelo do marquês, poderia ter um calabouço tão frio. Assim que chegaram, para lá, ele a levou. Depois, trancou. Sua pele alva e seus cabelos vermelho-fogo logo desbotaram entre aquelas paredes. Como um tesouro precioso, o primeiro de muitos. Os prêmios de caça do grande herói.
Das alianças, o jovem marquês fez uma chave para seu santuário. Da primeira esposa, ele se lembraria com um carinho especial. Ele sempre sonharia com seus formosos cachos vermelhos, que combinavam tanto com sua barba azul. Cachos que ele guardou até seu próprio fim, quando outra moça enfim o matou.
Primavera Macabra
Para quem ainda não sabe, eu estou participando de um desafio de leitura especial de Dia das Bruxas, idealizado pela minha amiga Paloma Hoover. Esta é a sua segunda edição, e ele tem agora uma página no Maratona.app. No Instagram, eu já coloquei a minha lista de livros, mas aqui estão alguns outros que eu recomendo para o desafio.
🖤Que eu já li:
Fios de Sangue, da Luisa Landre
Por Trás das Sombras, da L.M. Ferreira
Entrevista com o vampiro, Anne Rice
O Iluminado, de Stephen King
De magia à sedução, da Alice Hoffman
A assombração da Casa da Colina, de Shirley Jackson
O Exorcismo da Minha Melhor Amiga, de Grady Hendrix
💜Que eu quero ler:
Os fantasmas entre nós, da Gih Alves
Os Que Esperam Nas Sombras, da Jules K. Florian
As Coisas que Perdemos no Fogo, da Mariana Enríquez
Beleza monstruosa, da Adrielli Almeida
Não há luz sobre o abismo, de Rafael Isidoro
Por hoje é só!
Espero que goste do meu conto e dos livros que eu indiquei. Já tenho algumas ideias as próximas edições da newsletter, então estou animada.
Como sempre, agradeço a você por dividir esta aventura comigo.
Até a próxima!